A exposição Da Paisagem e do Permanecer, da artista, professora e investigadora Rute Rosas nos traz a experiência da paisagem na forma do objeto escultórico e dos jogos semânticos de aparição e desaparição que estas formas escultóricas tencionam. Através de um grupo de esculturas inéditas realizadas entre 2020 e 2022, a artista nos apresenta paisagens possíveis, como uma maneira de permanecer na paisagem face à crise ambiental que nos alerta para a sua fatal impermanência. O desaparecimento gradual da paisagem é o jogo que a artista nos convida a jogar, num tabuleiro construído tanto pela manipulação física de materiais orgânicos, quanto pela manipulação simbólica de conceitos. Um jogo que ganhamos ou perdemos na medida do reflexo e da reflexão sobre paisagens outras. O que Rute Rosas reafirma, poeticamente, é que o nosso olhar à natureza, é fator determinante na construção da nossa relação com ela e, consequentemente, na maneira como tratamos os recursos naturais e o meio ambiente. A artista nos apresenta três conjuntos de paisagens, com características físicas e expressivas distintas, mas interligados entre si por um processo gradativo de desaparecimento. Este elo condutor no grau de apagamento da paisagem natural estabelece, também, uma conexão espacial na montagem da exposição. O público é recebido pelas Pequenas Paisagens, é conduzido pelos Corpos e encontra por fim aPermanência. Alias, está forma de ocupar, transformando os espaços expositivos por meio da construção de situações em que cada objeto escultórico se relaciona com os outros e com o espaço, é uma das características da artista, que embora se declare escultora, o pensamento da sua criação denota um forte caráter instalativo no conjunto de objetos que conversam e compõe a exposição.
O primeiro grupo que recebe o visitante no primeiro salão da galeria, é um conjunto de três objetos escultóricos, chamado Pequenas Paisagens. Estas paisagens miniaturas, ou micro paisagens, se assim quisermos, contém em si, um microcosmos de biodiversidade. São paisagens compostas de matéria orgânica, pequenos fragmentos, vegetais e minerais, tais como: pedras musgo, madeiras, ervas rasteiras, entre outros; fragmentos de paisagem coletados e cultivados pela artista ao longo de suas andanças pelo norte da sua terra natal em especial pela região do Douro Internacional. Orgulhosa nortenha, a artista vê nestas fabulosas pequenas paisagens que nascem das suas criações, construções a partir de fragmentos de memória de paisagens vividas em viagens pelos montes das encostas do Rio Douro. Fragmentos que a artista mistura, reúne, funde e acopla para criar novas pequenas e possíveis paisagens que coloca para o público sobre observação. Sim porque cada um desses objetos escultóricos exige a nossa mais científica atenção, cada um desses microcosmos criados pela escultora, tem acoplado a eles uma lupa. A utilização de um instrumento óptico de observação, nos revela a intenção da artista, que claramente nos convida ao detalhe de uma micro paisagem para por em debate o olhar diante da paisagem, a maneira que, cada um de nós e a ciência em particular, olha para a natureza e assim por a questão: como o olhar implica o modo como nos relacionamos com o meio ambiente? Trata-se de esculturas vivas que precisam de cuidado para permanecer vivas, em outras palavras, para a obra da artista permanecer. São paisagens do permanecer e da possibilidade infalível da impermanência, paisagens que jogam o jogo fatal ditado pela presença ou não: da união pelo bem comum, da ordem social, da vontade política, da prática, da teoria e da atenção. São paisagens que apelam para a experiência da paisagem, no seu duplo sentido, ou seja aquela que nasce do contato direto com a natureza e aquela que move a investigação científica.
Pelo corredor entre o primeiro e o segundo salão da galeria, quem conduz o visitante pelo caminho são os Corpos, segundo conjunto de cinco objetos escultóricos. Aqui novamente, a ciência atravessa a poética dos objetos, mas enquanto no primeiro grupo a relação é entre ciência e vida, nestas, a ciência encara a morte da matéria orgânica. São plantas da casa e do convívio da escultora que cumpriram seu ciclo, que permaneceram em vida enquanto houve tempo e hoje permanecem fora do tempo como galhos e raízes secas. Cinco plantas compõem este grupo, dois pé de Cânhamo um Louro, um Buxo e um Alecrim. Eles se transformam em corpos, quando a escultora desenterra do vaso, recupera a planta morta e a vira de ponta-cabeça fazendo da raiz a cabeça do corpo. A partir daí Rute Rosas, veste, costura, prende submete esses corpos incorporando neles pequenos objetos de vidro desenhados e soprados pela artista que remetem a tubos de ensaio deformados, ao mesmo tempo que parecem curiosas e excêntricas jóias. Estes objetos que dão vida aos corpos mortos, são da ordem da ciência mas também da delicadeza do objeto esteticamente refinado, do cuidado, do se fazer presente, do presentear com jóias. Poderiam ser instrumentos de laboratório, mas o tratamento dado ao vidro com diversas técnicas de modelação e a delicada aplicação de folhas de ouro e prata em alguns deles, outorga a esta relação entre o imaginário laboratorial da ciência e a natureza como objeto de estudo, uma relação amorosa, luxuosa, rica em sofisticação formal e na delicadeza da aplicação da técnica do vidro.
Em Permanências, a paisagem permanece como ilusão, como luz, como visão, porém, sua materialidade se esvai, é o momento em que a paisagem faz o diabólico pacto em que troca sua natureza matérica, a experiência do toque da água e do sol, pelo simulacro da imagem luz.
Neste terceiro grupo 3 objetos escultóricos em caixas de luz compõe a paisagem, as imagens são de três arvores fotografadas no jardim da casa da artista, um diospireiro, um limoeiro e um pinheiro, que ocupam o último salão da galeria, compondo uma particular floresta da impermanência da matéria e da permanência da luz. As imagens em colunas verticais trazem fotos em alta resolução de um detalhe do tronco de cada árvore, na qualidade da imagem digital as árvores se escoram para poder permanecer, e é neste alto desempenho da imagem ressaltando os volumes da casca das árvores que o trabalho realiza sua subtil ironia, dando as árvore do jardim da artista, uma imaterial permanência alta resolução.
A crise ambiental é uma verdade cabal, por isso hoje é vital questionarmos: diante da paisagem natural o que vemos? A maneira como abordarmos esta questão irá determinar o nosso modo de estar e de agir, precisamos ver e deixar a ciência ver a fundo. Precisamos aprender a olhar à natureza como nossa própria carne, nossa própria pele como corpos da cabeça aos pés, hoje mas do que nunca aprender a permanecer na paisagem é aprender a pertencer a paisagem e, para isto, a exposição de Rute Rosas é um bom começo. Da Paisagem e do Permanecer traz ao espectador o presente histórico com a potência poética necessária, para permanecer como questão, com suas paisagens de impermanência.
Rodrigo Paglieri
17 de janeiro de 2022